O paradoxo do talento na era do desempenho

Há textos que, por sua profundidade e veracidade, despertam em nós o desejo de tê-los escrito. No entanto, é crucial reconhecer nosso lugar e apreciar a clareza e competência daqueles que conseguiram expressar essas ideias com maestria. O psiquiatra e psicanalista brasileiro Jorge Forbes, em seu livro “As Empresas em Terra Dois” (1), discorre sobre talento e superação, oferecendo uma perspectiva frequentemente observada na clínica: não é nada fácil ser bom (no sentido de ser talentoso) na sociedade do desempenho.

“Entre elogiar os talentos, por um lado, ou as histórias de superação, por outro, a imprensa brasileira deu clara preferência às histórias de superação”, escreve Forbes.

Quem alcança resultados por meio de seu talento o faz com aparente facilidade. Quem não se encanta em ver um atleta driblando, com um sorriso no rosto, de forma leve, como se estivesse brincando com a bola ou realizando movimentos inimagináveis com o próprio corpo, fazendo graça com os demais jogadores? São pessoas que nasceram com um dom único, conseguindo desenvolver e potencializar seu aprendizado muito mais facilmente e realizam a autogestão de sua carreira e performance com maestria. Mas… e o esforço, a disciplina, a história de sofrimento e sacrifício?

Para aqueles dotados dessa “porção mágica”, a consequência psicanalítica, ironicamente, é a exclusão dos grupos, pois, como seres sociais, tendemos a preferir histórias de grande superação que chamamos mérito: “as dificuldades familiares, a penúria econômica ou as antigas lesões orgânicas”, completa Forbes. Celebramos o esforço, o sacrifício, o trabalho árduo, pois “o esforço é democrático e o talento não; o talento é uma vantagem não democrática”, continua o escritor e pesquisador.

Estudos corroboram essa visão. Por exemplo, consumidores percebem empregados que demonstram esforço dedicado como mais calorosos em vez do talento e preferem se relacionar com eles, resultando em comportamentos positivos como o boca-a-boca. Leung et al., 2020 (2). Pesquisas entre professores demonstraram que a explicação do desempenho superior de colegas em termos de esforço aumenta a intenção dos indivíduos de trabalhar mais e gera afetos positivos. Van Yperen et al., 2006 (3). Além disso, a identificação com a organização está positivamente relacionada à motivação e desempenho no trabalho, especialmente quando a identidade social é saliente e o desempenho elevado é percebido como benéfico para o grupo. Knippenberg, 2000 (4)

Outros estudos indicam que na sociedade ocidental, a preferência por atribuir o sucesso ao esforço é prevalente, em contraste com o talento inato, que é menos frequentemente reconhecido como fator determinante para o sucesso educacional. Spruyt, 2015 (5). Revelam também que avaliações que enfatizam o esforço informativo, ao contrário do controle, aumentam a motivação intrínseca e o desempenho criativo. Shalley & Perry-Smith, 2001 (6). Por fim, a crença na meritocracia pode acentuar as desvantagens de jovens de origens menos educadas, enquanto a crença no trabalho árduo estava associada ao desempenho educacional subsequente. Smith & Skrbiš, 2017 (7)

Preciso concordar com Forbes: as vezes, sofremos muito mais por possuirmos uma qualidade do que por ter um defeito. Este último nos faz pertencer mais facilmente.

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Referências:

(1) FORBES, Jorge. As empresas em terra dois. São Paulo: Editora dos Editores, 2021. ISBN 978-6555769513.

(2) Leung, F., Kim, S., & Tse, C. (2020). Destacando esforço versus talento no desempenho do funcionário de serviço: atribuições e respostas do cliente. Journal of Marketing , 84, 106 – 121. https://doi.org/10.1177/0022242920902722 .

(3) Yperen, N., Brenninkmeijer, V., & Buunk, A. (2006). Respostas das pessoas a comparações sociais ascendentes e descendentes: o papel da expectativa de esforço-desempenho do indivíduo.. The British journal of social psychology , 45 Pt 3, 519-33 . https://doi.org/10.1348/014466605X53479 .

(4) Knippenberg, D. (2000). Motivação e desempenho no trabalho: uma perspectiva de identidade social. Journal of Applied Psychology , 357-371. https://doi.org/10.1111/1464-0597.00020 .

(5) Spruyt, B. (2015). Talento, esforço ou origem social?. Sociedades Europeias , 17, 114 – 94. https://doi.org/10.1080/14616696.2014.977323 .

(6) Shalley, C., & Perry-Smith, J. (2001). Efeitos de fatores sócio-psicológicos no desempenho criativo: o papel da avaliação informacional e controladora esperada e da experiência de modelagem. Comportamento organizacional e processos de decisão humana , 84 1, 1-22. https://doi.org/10.1006/OBHD.2000.2918 .

(7) Smith, J., & Skrbiš, Z. (2017). Uma desigualdade social de motivação?: A relação entre crenças sobre o sucesso acadêmico e o desempenho educacional dos jovens. British Educational Research Journal , 43, 441-465. https://doi.org/10.1002/BERJ.3272 .